O Efeito Tamagotchi: por que nos apegamos ao que não é vivo?
- Jackson Cividati
- 29 de ago.
- 3 min de leitura
Nos anos 90, muitas crianças e adolescentes carregavam no bolso um pequeno brinquedo japonês em forma de ovo: o Tamagotchi. Com sua tela simples, um bichinho virtual nascia, comia, dormia, ficava doente… e até podia morrer se fosse negligenciado.
Mesmo sabendo que era apenas um programa rudimentar, milhões de pessoas se sentiram responsáveis por ele. O que estava em jogo ali era muito mais do que diversão: era a manifestação do chamado Efeito Tamagotchi.
O que é o Efeito Tamagotchi?
O termo descreve o vínculo emocional que seres humanos criam com objetos inanimados — geralmente digitais — que simulam comportamentos ou necessidades de um ser vivo.
Quem teve um Tamagotchi talvez se lembre da ansiedade:
“Preciso alimentá-lo antes da aula!”
“Ele ficou doente, o que eu fiz de errado?”
Racionalmente, sabíamos que nada daquilo era real.Mas nossas emoções reagiam como se fossem.
A psicologia cognitivo-comportamental por trás do fenômeno
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) nos ajuda a entender por que nos apegamos tão facilmente a sistemas artificiais. Três mecanismos principais explicam esse fenômeno:
1. Antropomorfização e projeção emocional
Segundo Aaron Beck (1976), nossos esquemas cognitivos — filtros com que interpretamos o mundo — transformam estímulos neutros em experiências emocionais.Assim, quando vemos um bichinho “chorar” ou “sorrir”, projetamos sentimentos humanos nele.
Esse processo não se limita ao Tamagotchi: fazemos o mesmo com carros, plantas ou até computadores que travam.
2. Condicionamento operante e reforço intermitente
Skinner (1953) mostrou que comportamentos se mantêm quando recompensados.E quando a recompensa é imprevisível, a tendência de repetição é ainda maior.
Exemplo: no Tamagotchi, às vezes ele ficava feliz, às vezes evoluía — criando um ciclo viciante de cuidado.O mesmo mecanismo está presente em redes sociais, jogos de celular e até em máquinas caça-níqueis.
3. Teoria do apego digital
John Bowlby, com a teoria do apego, mostrou como nos conectamos a quem cuida de nós e de quem cuidamos.No caso do Tamagotchi (ou de outros “pets digitais”), a lógica se inverte:
Nós cuidamos — e, ao fazer isso, nos sentimos importantes, úteis, necessários.Esse vínculo pode ser até mais fácil de manter do que relações humanas, que envolvem frustrações reais.
Exemplos atuais do Efeito Tamagotchi
Hoje, o fenômeno está em todo lugar:
Assistentes de voz como Alexa ou Siri, com quem muitas pessoas conversam como se fossem humanas.
Apps de produtividade com mascotes que “ficam tristes” se você não cumprir suas metas.
Jogos digitais como The Sims, Animal Crossing, Nintendogs ou Stray, em que cuidamos de personagens virtuais.
Robôs terapêuticos como o PARO, uma foca robótica usada em idosos, que desperta vínculos reais.
Tudo isso... sem uma gota de vida biológica.
Aplicações clínicas e terapêuticas
O Efeito Tamagotchi pode ser mais do que curiosidade. Ele tem potencial clínico dentro da TCC:
Ativação comportamental para depressãoPet digitais ou apps podem incentivar pequenas ações, quebrando ciclos de inatividade.
Treino de cuidado e empatiaEm adolescentes ou pessoas com dificuldades relacionais, cuidar de um “ser” digital pode ser um exercício simbólico de empatia.
Estruturação de rotinaApps gamificados, como o Habitica, ajudam no desenvolvimento de hábitos saudáveis com reforços visuais e emocionais.
Cuidados e armadilhas
Mas há riscos.Albert Ellis, em sua Terapia Racional-Emotiva, já alertava sobre o perigo de crenças irracionais.
Vínculos digitais podem reforçar pensamentos como:
“Se eu falhar com meu pet virtual, sou uma pessoa ruim.”
“Tenho que ser perfeito no cuidado.”
“Se ele morrer, não mereço nada.”
Quando isso acontece, o efeito deixa de ser ferramenta e se torna gatilho emocional.Cabe à psicoterapia ajudar a reestruturar tais crenças disfuncionais.
Conclusão
O Efeito Tamagotchi revela algo essencialmente humano: a nossa capacidade de nos conectar com aquilo que simula vida.
Seja um brinquedo dos anos 90, um robô terapêutico ou um aplicativo que te lembra de beber água, o vínculo que criamos reflete como nossos pensamentos, crenças e emoções moldam nossa realidade.
No fim, o que esses pequenos vínculos mostram é a força da mente humana em buscar conexão — mesmo que seja com pixels ou circuitos.
Referências
Beck, A. T. Cognitive Therapy and the Emotional Disorders.
Skinner, B. F. Science and Human Behavior. New York
Bowlby, J. Apego e perda.
Leahy, R. L. Como lidar com as preocupações. Porto Alegre
Ellis, A. How to Control Your Anxiety Before It Controls You.



